Algumas considerações acerca de A idéia dos sovietes, de Pano Vassilev

Livro recém-lançado em co-edição entre a Editora Imaginário e a Editora Faísca, a Idéia dos sovietes, escrito na década de 20 por Pano Vassilev, companheiro anarco-sindicalista da Bulgária, assassinado pela polícia em 1933, apresenta-nos os sovietes por um ângulo libertário e com uma função essencialmente pré-figurativa de uma nova organização social.
O primeiro capítulo – A idéia dos sovietes não é uma noção bolchevique, é bastante interessante no sentido de desconstruir essa ligação que parece intrínseca entre o partido bolchevique e os sovietes e mostrar quão canalhas os marxistas foram com relação a essa forma de organização dos trabalhadores russos. A partir, mais ou menos, de 1905, na Rússia, a idéia dos sovietes passou a ganhar crescente aceitação por parte dos trabalhadores. Por ser uma idéia que envolve ação direta, autogestão e horizontalidade – princípios reconhecidamente libertários e frontalmente contrários às idéias centralizadoras marxistas -, os sovietes eram desprezados pelo partido social-democrata (do qual os bolcheviques eram uma fração). Às vésperas de outubro de 1917 os trabalhadores russos exigiam, nas ruas, “todo o poder aos sovietes”. E agora, o que fazer, Lênin? O povo, a “massa”, estava mais radicalizada do que a vanguarda (que desproposito! Uma vez que o papel da vanguarda é justamente insuflar o sentido revolucionário nas massa apáticas...). Os bolcheviques então fundaram o Partido Comunista e fizeram coro às palavras de ordem em favor das organizações descentralizadas dos trabalhadores. Isso para logo depois, no poder, instaurar a tal ditadura do proletariado e fazer dos sovietes meros braços do partido bolchevique, nem sombra do propósito inicial de horizontalidade e autogestão.
No segundo capítulo, Vassilev faz uma “arqueologia” da idéia dos sovietes entendidos como uma forma de organização contra o capitalismo e o Estado e também já como uma organização “pré-figurativa” – ou seja, que indica como seria configurada a organização econômica da sociedade na pós-revolução; segundo o companheiro anarco-sindicalista, a economia seria gerida pelos sovietes – logo, pelos trabalhadores. Interessante trazer aqui, indicado para reflexão, o velho debate Malatesta / Pierre Monat acerca do anarcossindicalismo e de como as pessoas que não estão inclusas na “classe trabalhadora” iriam participar da gerência da economia, que não pode ser uma coisa centralizada, obviamente. De acordo com Vassilev, a idéia da futura gestão da economia pelos sovietes era, de maneira simplificada: todos os trabalhadores estariam organizados por ofícios. Cada ofício estaria organizado numa federação local que faria parte de uma federação maior, em nível nacional. Para que a produção fosse orientada para as necessidades do povo, haveria as Bolsas de Trabalho, que seriam órgãos com o papel de receber da sociedade as demandas e repassá-las às federações ou sindicatos, para que assim nada faltasse.
No último capítulo, Pano Vassilev aborda o surgimento da idéia de Conselhos na Rússia e a relações dos anarquistas com essa idéia. Aqui ele faz duras críticas aos anarco-comunistas, pois segundo ele foi o caráter “sectário” desses indivíduos que impediu que as idéia anarquistas tivessem maior inserção dentre a classe trabalhadora e impedisse assim o golpe bolchevique aos sovietes. Ele diz que os anarco-comunistas tinham preconceitos com os sindicatos, pois os consideravam “pequeno-burgueses” e por isso só queriam lutar ao lado dos que estavam mais à margem da sociedade.
Apesar de ter alguns pontos em que discordo dele, principalmente com relação ao anarcossindicalismo, há que se pensar que o autor escreveu no calor do momento - década de 20 – e as informações que ele apresenta são valiosíssimas no sentido de resgatar a interessante idéia dos sovietes.
Ao fim do livro, citação perfeita de Kerelin, para quem os demagogos hábeis e astutos (bolcheviques) “chegaram ao poder pela via dos slogans anarquistas”. Alguma semelhança com certos partidos e / ou coletivos de esquerda cujo discurso é lindamente libertário e a prática friamente autoritária?!

Dos meus motivos

É que tenho medo de sentar para escrever. Parece que esse gesto faz com que toda a vivacidade e fluidez de meus pensamentos mais lúcidos - que me vêm como uma torrente - se esvaiam e eu fique feito boba a segurar a caneta sem ter nada a oferecer ao papel. As palavras são traiçoeiras. Lembrei de uma aula de Semiótica em que o professor citou alguém, acho que foi o Pierce, e disse que as palavras amputam o pensamento. Às vezes concordo.

Angústia! A porra da gastrite tá querendo dar o ar da graça outra vez.

Acho que essa relação com a escrita advém do fato de que um dia quis ser escritora e de uma hora pra outra mudei de idéia, sem nenhuma resistência. Todo mundo quer ser escritor hoje. Talvez isso seja bom. Mas quando escrevo, o que quero com isso? Ser desvendada? Por que? Por que quero me sentir digna de olhares atentos, especulações até? Que vaidade há nisso? Ou será que quero me encontrar? Papo tão existencialista...

A Anna... Anna Wulf, personagem d´O Carnê Dourado, livro de Doris Lessing. Terminei o livro há dois dias, acho. Comecei em agosto, mas tive de parar a leitura por causa da correria do semestre. Prometo fazer uma resenha do livro pra colocar aqui. Confesso que me irrita o jeito como ela - Lessing - escreve. Objetiva demais ao tentar ser intimista, parece que as personagens e seus devaneios são apenas exemplos para ratificar o que a autora pensa. Acho que Virginia Woolf e Clarice Lispector são bem melhores. Mas a Doris tem umas tiradas... Trata de temas que me interessam sobremaneira. Tudo me é melancólico esses dias. Quando estou feliz não escrevo. Estou um pouco bipolar. Subjetividade afloradíssima. Tudo parece despedaçado; tudo é assim. Acho que as várias cadernetas de Anna são a metáfora pra isso – o sentimento que dizem ser reinante na nossa pós-modernidade.
A crítica da autora e da personagem ao Partido Comunista da Inglaterra é muito boa. E, embora eu seja anarquista, a desilusão de Anna com o PC me afeta profundamente. Tem um quê de “eu já sabia, é óbvio, os comunistas são mesmo estalinistas etc”, tem o regozijo de ter minhas posições reafirmadas, de pensar que escolhi lutar do lado certo, mas tem também uma sensação terrível... Não queria ler Nietzche numa hora dessas. Tenho algumas tendência ao niilismo. Quero tudo e nada. Me sinto um pouco esquizofrênica às vezes. “Serás feliz” - lembrei de Pip (Dickens, Great Expectations) e de Bentinho (Machado, Dom Casmurro, sempre tão vivo na minha cabeça, posto que adoro o livro, e esses dias um pouco mais presente devido à influência Global da qual dificilmente escapamos).
Queria a serenidade de uma criança – ou até mesmo aquela serenidade que muitos conhecem como uma das minhas principais características e eu discordo. Talvez escrever possa me ajudar a, pelo menos, compartilhar os sentidos...