[WenDo] Entrevista com Trude Menrath

A instrutora de WenDo alemã, Trude Menrath, acredita que esta técnica de auto-defesa é um dos caminhos eficazes que as mulheres podem encontrar para combater a violência que sofrem no dia-a-dia. WenDo, que significa “caminho das mulheres”, surgiu no Canadá nos anos 70, desenvolvido por uma família que treinava artes marciais e que soube que a vizinha tinha sido agredida e morta pelo marido, sem chances de defesa. Eles/elas decidiram criar técnicas e estratégias, fáceis e seguras, para serem aplicadas por mulheres e meninas quando estas fossem vítimas de alguma violência, em casa ou nas ruas. A partir daí, o WenDo começou a ser difundido por diversos países, dentre eles, o Brasil, que hoje conta com cinco grupos nas cidades de Curitiba, Salvador, São Paulo, João Pessoa, e mais recentemente, Brasília.Trude Menrath é uma das mulheres responsáveis por esta difusão. Sempre que possível vem ao Brasil acompanhar o desenvolvimento do WenDo no país e colaborar para que cada vez mais outras mulheres tenham acesso à técnica. Foi assim que ela chegou em João Pessoa e realizou uma oficina de uma semana com as mulheres do grupo de WenDo da cidade. Aproveitando sua passagem pela terrinha, fiz esta pequena entrevista com ela, que nos conta, dentre outras coisas, da realização de encontros anuais na França e no Canadá e da organização dos grupos de WenDo pela Europa.
Por Mabel Dias
1) Como você conheceu o WenDo e em que ano foi?
Conheci o WenDo no ano de 1980. Participei de uma oficina em uma casa onde tem sempre oficina para mulheres, no campo, perto da minha cidade, Köln, na Alemanha. É uma casa para estudos, férias, voltada para mulheres e nesta casa foi a primeira ou segunda vez que tive uma oficina de WenDo. Fui lá para aprender WenDo.
2) Há quanto tempo você ensina o WenDo?
Eu comecei a ensinar cinco anos depois que o conheci e comecei a treinar cinco anos depois da oficina que participei, que durou uma semana, e então com outras mulheres iniciamos com um grupo na minha cidade. Começamos a treinar auto-organizadas, sem treinadora; comecei dois anos depois a treinar jiu-jitsu e outras artes marciais, sempre buscando maneiras para oferecer às mulheres meios para elas se auto-defenderem. Há 28 anos comecei com o WenDo e há 23 anos ensino o WenDo.
3) O que significa o WenDo?
Para mim significa um método feminista, uma resposta e um enfrentamento das mulheres em relação à violência contra as mulheres, não é um conceito só físico, de defesa física, mas é um conceito feminista integral, que usa todas as maneiras como todas as mulheres podem se defender - não é só corpo nem só com golpes.
4) Qual o nome do grupo de vocês, fale sobre o trabalho desenvolvido pelo seu grupo na Alemanha.
O nome do grupo é “Frau Schmitzz”, Frau, em alemão, quer dizer “mulher” ou “senhora”, e Schmitzz, é um nome muito comum na região, e queríamos mostrar já com o nome, que o WenDo é para qualquer mulher, não tem que ser jovem, não tem que ser esportiva, pode ser qualquer mulher, de qualquer idade. Trabalhamos muito com meninas, a partir de 6 anos, fazemos cursos com diferentes tipos de mulheres - eu faço muito curso com mulheres imigrantes, falo alguns idiomas e então posso fazer cursos com mulheres que não falam alemão -, fazemos cursos para mulheres que tem problemas físicos, qualquer mulher que não pode andar. Nosso grupo funciona desde 1988, eu e mais duas outras mulheres com muitas mais fizemos este grupo e até hoje ele existe. Somos três atualmente. Nos encontramos uma vez no mês, antes era uma vez pela semana, e discutimos juntas os temas do WenDo e às vezes treinamos. Discutimos o conceito de WenDo e estamos sempre buscando colocar o WenDo mais próximo das mulheres queprecisam. Sempre nas oficinas de WenDo são dados os passos, o que eu aprendi nos anos 80 é muito diferente do WenDo que eu ensino, tem muito a ver com o desenvolvimento que teve no movimento feminista, porque o WenDo está muito perto do movimento feminista, todas as treinadoras de WenDo na Europa são feministas, a maioria são lésbicas, e assim integramos no WenDo os temas que o movimento feminista discute. Um exemplo é que no final dos anos 80 o assunto de abuso sexual de meninas foi muito discutido dentro do movimento feminista e a partir daí integramos este assunto aos treinos, e no final dos anos 80 começamos a dar aulas a meninas, e sempre vemos o WenDo como uma prevenção contra o abuso sexual das meninas e uma maneira para as mulheres sobreviverem à violência que elas sofreram na vida.
5) Por que o WenDo é apenas para as mulheres? Gostaria que você explicasse isto e falasse da importância das mulheres se organizarem.
Para mim é muito claro porque o WenDo é para mulheres, não sei por que há dúvidas. Na Alemanha, como aqui no Brasil e na maioria dos outros países do mundo, a mulher se encontra em uma situação de opressão e discriminação e por isto os homens podem usar violência contra ela, até matar a esposa se ela quiser se separar; existem vários tipos de violência, discriminação no trabalho, estupro, abuso sexual. Hoje em dia, na Alemanha, que é um país desenvolvido como muitos pensam, a mulher recebe ainda menos dinheiro que os homens, fazendo o mesmo trabalho. Em nosso país, assim como no Brasil, existe muita discriminação, as mulheres sofrem violência e é muito importante que elas se organizem para acabar com isto. Eu vejo que na Alemanha, como aqui, as mulheres conseguiram muitas coisas, mas ainda não é suficiente, este pensamento de que já conseguimos muito e não precisamos mais do movimento feminista não é verdadeiro; sobretudo, na Alemanha, vemos a situação das mulheresimigrantes, e no Brasil se olharmos a situação da mulher negra, da trabalhadora, percebemos que temos que continuar lutando.
6) Conte como se dá a organização do WenDo na Alemanha e na Europa.
Temos uma estrutura boa. Tudo começou em 1979 quando as primeiras professoras de WenDo foram formadas lá na Alemanha, mulheres da França e da Bélgica, e de outros países, e lá as mulheres começaram a se encontrar uma vez no ano na França para aprender mais e trocar informações, para trocar idéias e depois começaram a realizar um encontro no sul da França, que é internacional. Em muitos outros países da Europa, como Suécia, Espanha, Suíça, e na Turquia, que não é na Europa, mas fica próximo, existem grupos de WenDo. O encontro lá na França demora três dias, (ocorre) a cada ano, acontece no final de agosto e é um ponto de organização, de treinar muito também. Na Alemanha, a rede de treinadoras se encontra uma vez ao ano também, e tem encontros entre mulheres de WenDo e artes marciais, tem uma estrutura boa, e procuramos nos manter auto-organizadas. Até hoje o WenDo não é uma Organização Não-Governamental (ONG), uma organização institucionalizada; tem grupos autônomos. Eu quero que oWenDo fique sempre autônomo. Somos respeitadas por muitas instituições e na minha cidade até a polícia, quando as mulheres são violentadas pelos maridos, ou crianças, eles indicam, mandam a mulher, a menina, para nosso grupo, para fazer os treinos conosco. Temos uma boa visibilidade e respeito.
7) Como vocês se organizam e como os grupos se mantêm na Europa?
Quando fazemos cursos recebemos dinheiro das instituições, às vezes das mulheres, às vezes uma mistura das duas coisas; somos bem remuneradas pelas instituições, mas também fazemos cursos onde nós recebemos pouco dinheiro em solidariedade a grupos de outras mulheres. Por exemplo, agora estou em João Pessoa treinando com vocês e não estou cobrando a vocês pela oficina que estou dando; sempre tem este lado: onde podemos cobrar, cobramos; onde não podemos, não cobramos ou cobramos menos. É uma maneira de termos renda para manter o nosso grupo. Quando nos encontramos e fazemos este trabalho de organização e de desenvolvimento, divulgação do WenDo, fazemos com nosso dinheiro, nosso trabalho, não recebemos nada de ninguém.
8) Como são pensados estes encontros que são realizados na França, Canadá e quantos já foram realizados?
Começou em 1979 e a cada ano tem um encontro no sul da França; há 28 anos estes encontros são realizados.É sempre um grupo de alguma cidade participante do encontro, e agora o encontro é muito mais internacional. O grupo pega a responsabilidade pela organização e organiza. Tudo isto é feito voluntariamente e sem ajuda financeira. As mulheres quando chegam ao encontro dão apenas uma contribuição, porque temos que pagar pelo acampamento, alimentação, e também tem mulheres que tem mais dinheiro e mulheres que não podem pagar e nenhuma mulher fica de fora se não puder pagar. As primeiras brasileiras, que são as mulheres do grupo de Salvador, não precisaram pagar, foi um ato de solidariedade.
9) Percebo que o WenDo tem algumas características anarquistas, você concorda?
Sim. Eu penso que se você é radical feminista, você também tem ligações características com o anarquismo, como a busca por autogestão, solidariedade, apoio mútuo, entre outros princípios que fazem parte do anarquismo.
10) Vocês já realizaram oficinas com prostitutas. Conte o que foi mais marcante nesta oficina.
Foi minha colega de grupo quem fez esta oficina, no meu caso posso falar de outras experiências que tive, e o mais marcante é quando chegam as meninas e as mulheres, às vezes são tímidas e quando saem do salão já tem outra expressão do corpo, de auto- estima, acho isto muito legal do trabalho. E também com as vitimas de violência o WenDo trabalha com as experiências de violência que cada uma já teve, que é uma maneira de sobreviver, é uma maneira de se sentir melhor e de manter controle sobre a vida melhor que antes, é um lado muito importante do WenDo e também muito bonito, porque quando uma mulher sofre violência é sempre um trauma, ela perde o controle sobre a vida dela, sobre o corpo dela, e com o WenDo ela pode retomar este controle. Isso muda muito na minha vida e também na vida das mulheres, eu posso ver na expressão das mulheres; isso é muito lindo no WenDo.
11) E com as prostitutas, como foi?
Foi a Gabi quem fez a oficina, junto com outra colega nossa, a Marsha, que hoje não está mais no grupo. Elas trabalhavam juntas, porque quando são grupos grandes e que precisam de mais atenção trabalhamos em duas. A experiência foi muito boa, foi difícil porque estas mulheres eram usuárias de heroína, elas vieram algumas semanas, mas foi muito bom porque elas se sentiram mais fortes depois da oficina e as prostitutas são mulheres bem mais vulneráveis à violência - muitas vezes os homens não querem pagar, batem nelas, fazem coisas que elas não foram contratadas (para fazer). Para elas foi muito legal ter esta experiência e para nós também.
12) Qual o recado que você daria para as mulheres brasileiras, para as mulheres de um modo geral, para que elas saiam deste circulo de violência, que não é nada fácil, mas possível.
Que sempre tem caminho.
13) E o caminho pode ser o WenDo...
E o caminho pode ser o WenDo ou outra coisa, mas penso que sempre tem um caminho, às vezes não é fácil encontrar, mas se estamos de olhos abertos, tem um caminho.

Fonte: http://gafeminista.blogspot.com/2009/04/wendo-entrevista-com-trude-menrath.html

O pai do balé cearense vive a densa leveza do espetáculo da vida

Perfil de Hugo Bianchi, escrito para a disciplina de Laboratório de Impresso I.

O foyer do Theatro José de Alencar foi o local escolhido para a entrevista – requinte, atmosfera nobre, um piano, cadeiras de palhinha, janelas imensas descortinando ora a praça José de Alencar interditada, ora a belíssima fachada interna do teatro, com seus vitrais coloridos. Aquelas paredes estão prenhes de recordações para o bailarino, coreógrafo, professor e ator Hugo Bianchi. Se falassem, diriam-nos dos inúmeros ensaios, da gestação de grandiosos espetáculos do “pai” do balé cearense, cuja primeira academia teve sede justamente ali. Quantos instantes, quanto suor? Quantos aplausos? Quantas quedas? Quantas repetições exaustivas de “pliés, relevés, passé, brisé”?
O artista nasceu a partir das viagens com a Companhia Marquise Branca, mas há anos era engendrado – teatrinho em casa com os amigos, improvisado com os lençóis da avó, peças no ginásio, vivência intensa da atmosfera cultural do centro de Fortaleza. Despontou mesmo quando resolveu enfrentar os mares bravios da terra natal rumo ao centro cultural da época, a gloriosa e ebulitiva Rio de Janeiro.
Os olhos azuis como o mar que se lhe afigurava na antiga ponte da Praia de Iracema – olhos plenos de sonhos e persistência – devem ter antevisto as adversidades que estavam por vir, mas provavelmente não adivinharam o sucesso; talvez tenham apenas o desejado ardentemente. Diante de tantas dificuldades, a beleza do teatro revista o interpelava com força e se mostrava convincente. “Era o meu destino”. Hugo estava em casa. Se o mundo lá fora era cinza – noites nas praças ou nos bondes, amparado pelo colo da amiga Suzy –, a convivência com aqueles que viriam a ser grandes bailarinos era cor, glamour, “a glória”.
O pai do balé cearense viu, como bom pai que acompanha a cria, as mudanças pelas quais essa arte passou: das primeiras filhas que não aprendiam “direitinho”, ao desabrochar de jóias lapidadas por ele, passando pelas disputas internas objetivando a graça do público. Hugo Bianchi acompanhou também a efervescência da década de 70 – quando os recursos não faltavam –, os espetáculos grandiosos tratando de temas universais e regionais e os momentos seguintes de dificuldades financeiras.
O bailarino é o testemunho vivo de uma história – da dança, do nacionalismo (o Serviço Nacional de Teatro tentava criar uma dança brasileira, com a bailarina Eros Volúsia), da tentativa de afirmação de uma cultura genuinamente cearense (muitos de seus espetáculos trataram de temáticas reconhecidamente atribuídas ao Ceará), do cenário cultural de toda uma época que o criou e foi por ele também criada. A narrativa de Hugo Bianchi percorre desde a época em que o balé clássico era moda entre a elite fortalezense ao presente, em que o balé se reinventa, incrementa-se e convive com a dança contemporânea.
O bailarino dançou com densa leveza o balé repertório da vida, chegando este ano ao 83° ato. Do alto da longa trajetória, desfia os caminhos de sua existência cheia de emoções. As reminiscências, sempre acompanhadas de muitos gestos, denotam uma relação com o corpo bastante expressiva, própria da arte que se transformou em sua vida. Um homem sereno e gentil, mas de uma postura ereta, rígida. Lúcido e sem falsa modéstia, entende-se como vencedor, pioneiro da dança no Ceará.“Sensível, um verdadeiro artista”, como foi definido por tantos. Alguém que aceitou a dor e a delícia de viver da arte e para a arte. Vaidoso, é com gosto indescritível que relembra a beleza do corpo de outrora. Aliás, a idéia do belo é imprescindível em seu conceito de arte: é o sublime, o não-cotidiano, as histórias grandiosas que povoam seu imaginário acerca do balé. A arte é para fazer sentir, “passar emoção”. Os movimentos leves, flutuantes do balé clássico, são a concretização dos sonhos.

A mulher que veio para incomodar e a perspectiva radicalmente histórica de que “o mundo pode dobrar uma esquina”

Perfil escrito para a disciplina de Laboratório de Impresso.

Livros, gatos em miniatura, rádios antigos de madeira, pratos de porcelana enfeitando as paredes. O apartamento modesto, aconchegante e colorido era um texto a encher os olhos e a antecipar muito de nossa entrevistada, a professora e historiadora Adelaide Gonçalves. Sua presença forte e elegante, cheia de um estilo próprio, impregna aquele lugar e aguça os nossos sentidos; a vida à flor da pele, intensa e visceral, como me parece tudo relativo a esta mulher.
Ela é toda eloqüente: gestos largos, olhar incisivo, cores, pulseiras, cigarros fumados ou simplesmente retidos entre os dedos. Postura pensante, imaginativa, porém respostas rápidas, na ponta da língua. Argúcia. As palavras fluem como um rio que sabe muito bem aonde ir, de forma um tanto cartesiana. Quem é ela? Uma mulher de muitas faces, tal qual José Martí? Creio que sim. Ela é ela e suas circunstâncias, parafraseando o poeta.
A menina nasceu em Tauá, no interior do Ceará, e aos cinco anos aprendeu a ler, com um tio. Estudou em colégio de freira, onde lhe ensinaram a não agredir o Vernáculo – difícil era saber quem era esse senhor! A cidade era a escola e as responsabilidades que advinham dali. Mas o campo... Ah! O campo era a expressão profunda de uma infância feliz: moagem de cana, farinhada, milho, cheiros, fartura, festas de santos, a avó Mimosa.
Cresce a menina. Quase moça, auxiliar da bibliotecária no Ginásio Antônio Araripe, mergulhou em Germinal e sentiu “como se a cabeça estilhaçasse”. Percebeu, com a inteligência e perspicácia que lhe são peculiares, o sentimento do qual Maiakovski também compartilha: “A palavra é um barril de pólvora”. Quando explode, a imaginação voa solta e o mundo nunca mais vai ser o mesmo para quem o vivenciou por esses outros olhos, construídos a milhares de mãos, pois não são somente autor e leitor os envolvidos nesse jogo. Os horizontes se ampliam. O sertão passa a ser o mundo.
Irreverente desde nova? Na medida do possível. Não é fácil imaginar Adelaide Gonçalves fazendo trabalho de catequese nos distritos de Tauá. Mas “há passagens inescapáveis na vida de uma pessoa”. Não destino, como faz questão de frisar. Tanto que passou da mocinha catequista àquela que quer estar ao lado dos pobres da terra. E as lembranças agora são povoadas por “uns padres que não vestem batina, falam em sindicato, são perseguidos pelos poderosos do lugar”.
Adelaide próxima dos 20 anos: Fortaleza, agora não mais só as férias em casa da tia de classe média. A vida, nessa época, era eterna descoberta, desencadear de acontecimentos impactantes. Abalaram-na profundamente os vários Severinos, que morrem “de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. As greves do ABC faziam o peito vibrar. O Socialismo parecia cada vez mais próximo. Cuba emocionava e motivava. Por um governo dos trabalhadores, a professora de História ingressa no PT, onde atuou por mais de 20 anos, ao fim dos quais concluiu que “o partido era partido” e a burocratização já havia tomado conta de tudo há bastante tempo.
As palavras – de novo o barril de pólvora! – e a vivência no Pirambu detonam as revoluções interiores, as que pegam na veia, são pra valer. As crianças tinham os cotovelos deformados por bichos-de-pé. Era a miséria urbana. Naquele momento, o que mais coube foi Gorki – “Estou falando de homens que um dia foram homens” – e a vontade dilacerante e pungente de fazer alguma coisa. Estava ganha para o lado esquerdo do mundo. Constrói uma vida em que a questão social é vista como primordial e com um olho sensível, “sin perder la ternura jamás”.
Há também a face da pesquisadora que ousa atender ao chamado de seus objetos de pesquisa, o jornalismo abusado dos trabalhadores, “sem compromisso com o bom vernáculo”, mas apenas com o novo devir – a aurora de um mundo livre e justo. Na cultura proletária, encantam-lhe o teatro social, as greves – “a coreografia das greves” –, os hinos, o barulho de um piquete, os cortejos de 1º de maio. O coração floresce ao pensar nas possibilidades que a História reserva.Com que tremenda lucidez esta mulher reafirma sua crença na necessidade da Revolução e no potencial da América Latina em construir uma nova ordem social! Contra os consensos fabricados em escala mundial, com tanta força introjetados em nós, Adelaide apresenta a perspectiva radicalmente histórica de que “o mundo pode dobrar uma esquina”. Ela concretiza a audácia de sonhar com que a vida seja boa para toda a gente.