Começo de tudo, de manhã cedo

Nunca tinha lido nada dele... Mas hoje, agora, que falou tão forte às minhas revoltas, logo cedo de manhã, que não posso deixar de divulgá-lo. Boa revolta! A explosão (ou implosão) é o começo de tudo!!!

A implosão da mentira
Affonso Romano de Sant'Anna

Fragmento 1
Mentiram-me.Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.
Mentem.Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

Fragmento 2

Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.
Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre.Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre.E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial?mente,
mente partidária?mente,
mente incivil?mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
—diária/mente.

8 de março

É com pesar que venho escrever sobre o que a mídia burguesa disse a respeito deste dia símbolo da luta das mulheres por um mundo livre da opressão de gênero.
Aqui em Fortaleza temos o jornal O Povo, que circula há mais de 80 anos e tem, hoje, uma tiragem que fica entre os 30 e 35 mil exemplares. Pouco, né? Ainda bem...
Pois bem. O grupo O Povo lançou um caderno especial Dia da Mulher, produzido pelo comercial O Povo e patrocinado por empresas que exploram o triste ideal de “beleza feminina”.
O tom era de comemoração. Em nenhum momento tocou-se na história de luta e resistência das mulheres para chegar ate aqui. Falou-se muito em conquistas, em mundo quase livre do machismo, da opressão de gênero etc. O mito da super-mulher (trabalha, cuida da casa, dos filhos, do marido) foi hiper-valorizado e apresentado como algo inerente ao ser feminino. Que bobagem! Está claro que tudo é uma construção histórica e social e ainda há quem venha falar em essência feminina, em feminilidade – embora feminilidade comporte essa idéia de construção cultural, mas muitas vezes é um conceito usado erroneamente, como algo quase natural, essencial mesmo. E ao invés de estarmos aqui louvando a exaustão das mulheres – a mulher “engolidora de sapos” - deveríamos estar era questionando o porquê de elas terem de se desdobrar em três para dar conta de tantas responsabilidades que são “naturalmente” imputadas a elas. Por que os homens não podem cuidar da casa e dos filhos também? E até mais do que isso: a maternidade é o destino de todas as mulheres? É a sua vocação natural? Não sei não...
Outra questão muito explorada pelo jornal O Povo foi a da participação das mulheres na política. Gostaria que a repórter que fez a matéria de capa do caderno de política tivesse conversado com algumas feministas que já desenvolveram pesquisas mostrando como a participação das mulheres do Parlamento tem sido bem parecida com a atuação dos homens. Acho que é hora de pararmos de englobar meio mundo na categoria “mulheres”, quando há outras variáveis influindo seriamente na constituição de identidade das pessoas: classe, raça, etnia, etc. Não que a categoria de gênero não influencie também (embora eu gostaria que não influenciasse e acho que devemos lutar é neste sentido, para sermos gente, antes de qualquer definição de gênero que só causa opressão e heterossexualidade), mas é que há uma superposição dessas variáveis. Não é a “mulher” (conceito ahistórico e essencialista), mas são as mulheres. Faço coro com a feminista e anarquista Emma Goldman, que sustentou fortemente que as mulheres não têm o poder de purificar a política, porque a política não é passível de purificação, não precisa de uma mudança moral simplesmente. “Imputar a ela (mulher) uma mudança que está além de suas possibilidades é divinizá-la”. Grande Emma!
Já no site da Folha de São Paulo havia outras coisas, porém a mesma coisa rsrs: uma peça publicitária voltada pra “mulher segura”, tipo neoliberal que defende com unhas e dentes sua carreira e seu empreguinho, “que adora ter seu dia mas se destaca em todos”, uma notícia dizendo que Michelle Bachelet espera que os partidos apóiem a candidatura de mulheres ao Parlamento chileno e uma notícia melhorzinha dizendo que Chavez daria mais atenção à questão de gênero na Venezuela e que todos os homens socialistas deveriam também se considerar feministas. Não confio no Chavez. Alias, não confio no tipo de revolução que ele diz querer fazer, que fique claro – poderia ser qualquer outra pessoa no papel dele, eu não confiaria -, mas considero a declaração, muito lógica, por sinal, de que um homem que diz socialista, deve se dizer também feminista – no sentido de querer um mundo livre do sistema de gênero e em que os seres humanos possam se desenvolver longe dessas amarras / carapuças de homem ou mulher.