Na busca voraz de si e do outro, intensidade e doação conduzem o artista a um mergulho no eu profundo

Perfil de Pedro Eymar Barbosa Costa, escrito para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Impresso I.

O início – onde a memória alcança – foi a Quixeramobim do Pedro menino que ouvia as histórias da mãe, habilidosa contadora de causos e aventuras. Na brincadeira de criança, a arte-refúgio – doce e inocente inconsciência de ser arte. A geometria da cidade talvez tenha sido a primeira fagulha na cabeça daquele que seria artista mais tarde – era rio, chuva, serra, ponte em que cabe um trem inteiro. Geometria da vida, dos sentidos, de olhar o mundo diferente.

A adolescência foi Fortaleza, a “casinha” na Avenida José Bastos, convivência com os irmãos; primeiro lugar no Municipal, depois a entrada no Liceu do Centro, colégio “lendário”. Lá, era “barra pesada”; o ensino precário e a turma que enfrentava as autoridades, os professores. Transgressora também era a irmã de Pedro. Rompia barreiras, abria caminhos – apresentou-lhe, literariamente, Fernando Pessoa e Eça de Queirós, e falou-lhe, como quem não quer nada, do artista que estava oferecendo um curso de desenho na Casa Amarela: Jean-Pierre Chabloz. A arte não era um projeto, e o encontro com o mestre parece ter sido quase por acaso. Existe destino?

O artista plástico, professor do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretor do Museu de Arte da mesma instituição, homem maduro – mas sempre em mutação, em conflito com idéias pré-estabelecidas, inquieto – que nos fala hoje, é fruto de suas vivências permeadas pela dedicação à arte e ao mergulho profundo em si mesmo. A narrativa tecida numa mescla de leveza e ênfase é linda – de ouvir e ver; as mãos, consagradas à arte, desenham no ar gestos longos que teimam em traduzir cada situação vivenciada com a habilidade e sensibilidade de quem sabe lidar com o traço. As mudanças bruscas de tom de voz culminam nos pontos altos da entrevista, aqueles longos silêncios tão eloqüentes, momentos em que senti a força da reflexão acerca de uma extensa trajetória, do olhar de hoje sobre o passado. A memória se apresenta com todo vigor e criticidade; o bom jornalismo deve provocar isso.

O desenho lhe descortinou um universo de sentidos. A cada contemplar do mundo, mil informações bombardeavam cabeça, sentidos, alma. Tudo parecia novo. Talvez lhe fosse difícil imaginar como as pessoas olham o mundo e não o vêem. Primeiro foi o fascínio do desenho como imitação, depois paixão pelo momento do desenho, que traz autoconhecimento. Que poder tem o traço! A “brincadeira” com o carvão achado no quintal, o pastel se diluindo, “a vivência das tensões numa tela, antes de ela ficar pronta”. Inundação da alma. Se o que o agrada é justamente o processo da pintura, da tela em branco à obra pronta, o que sinto é um misto de angústia, ansiedade e frenesi ao pensar nas mil possibilidades em aberto, na atualização da vida, no eterno re-começo do tempo cíclico, na chance de, mais uma vez, dizer de outras formas.

O outro é sempre um abismo – se nós já somos... Para mim, também o momento de preencher a tela morta do meu computador com as cores de Pedro Eymar – ora vermelhas, vivas, pulsantes e libertas, como num Bandeira que tanto gosto, ora num azul bem escuro, como a noite que parece não ter fim e, paradoxalmente, tanta luz pode trazer – é prazeroso e angustiante. Mergulho no Eu profundo. Não é possível dar conta de uma vida em um texto; nem em uma obra de arte qualquer. Posso, quando muito, oferecer pistas selecionadas pelo meu olhar de menina-mulher, vida inteirinha pela frente.

Do rapaz que botou seus desenhos debaixo do braço e rumou para o Rio, ao professor e diretor do Mauc – “oficina, morada e fonte de imaginação” –, a certeza de que há algo que nos move e, ao ser despertado, ninguém segura. Na tela da vida, o gosto de Pedro é mesmo misturar os matizes, os tons, participar do desenrolar dessa história. Intensidade e doação são palavras constituintes da narrativa de sua passagem nesse mundo.

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