8 de março

É com pesar que venho escrever sobre o que a mídia burguesa disse a respeito deste dia símbolo da luta das mulheres por um mundo livre da opressão de gênero.
Aqui em Fortaleza temos o jornal O Povo, que circula há mais de 80 anos e tem, hoje, uma tiragem que fica entre os 30 e 35 mil exemplares. Pouco, né? Ainda bem...
Pois bem. O grupo O Povo lançou um caderno especial Dia da Mulher, produzido pelo comercial O Povo e patrocinado por empresas que exploram o triste ideal de “beleza feminina”.
O tom era de comemoração. Em nenhum momento tocou-se na história de luta e resistência das mulheres para chegar ate aqui. Falou-se muito em conquistas, em mundo quase livre do machismo, da opressão de gênero etc. O mito da super-mulher (trabalha, cuida da casa, dos filhos, do marido) foi hiper-valorizado e apresentado como algo inerente ao ser feminino. Que bobagem! Está claro que tudo é uma construção histórica e social e ainda há quem venha falar em essência feminina, em feminilidade – embora feminilidade comporte essa idéia de construção cultural, mas muitas vezes é um conceito usado erroneamente, como algo quase natural, essencial mesmo. E ao invés de estarmos aqui louvando a exaustão das mulheres – a mulher “engolidora de sapos” - deveríamos estar era questionando o porquê de elas terem de se desdobrar em três para dar conta de tantas responsabilidades que são “naturalmente” imputadas a elas. Por que os homens não podem cuidar da casa e dos filhos também? E até mais do que isso: a maternidade é o destino de todas as mulheres? É a sua vocação natural? Não sei não...
Outra questão muito explorada pelo jornal O Povo foi a da participação das mulheres na política. Gostaria que a repórter que fez a matéria de capa do caderno de política tivesse conversado com algumas feministas que já desenvolveram pesquisas mostrando como a participação das mulheres do Parlamento tem sido bem parecida com a atuação dos homens. Acho que é hora de pararmos de englobar meio mundo na categoria “mulheres”, quando há outras variáveis influindo seriamente na constituição de identidade das pessoas: classe, raça, etnia, etc. Não que a categoria de gênero não influencie também (embora eu gostaria que não influenciasse e acho que devemos lutar é neste sentido, para sermos gente, antes de qualquer definição de gênero que só causa opressão e heterossexualidade), mas é que há uma superposição dessas variáveis. Não é a “mulher” (conceito ahistórico e essencialista), mas são as mulheres. Faço coro com a feminista e anarquista Emma Goldman, que sustentou fortemente que as mulheres não têm o poder de purificar a política, porque a política não é passível de purificação, não precisa de uma mudança moral simplesmente. “Imputar a ela (mulher) uma mudança que está além de suas possibilidades é divinizá-la”. Grande Emma!
Já no site da Folha de São Paulo havia outras coisas, porém a mesma coisa rsrs: uma peça publicitária voltada pra “mulher segura”, tipo neoliberal que defende com unhas e dentes sua carreira e seu empreguinho, “que adora ter seu dia mas se destaca em todos”, uma notícia dizendo que Michelle Bachelet espera que os partidos apóiem a candidatura de mulheres ao Parlamento chileno e uma notícia melhorzinha dizendo que Chavez daria mais atenção à questão de gênero na Venezuela e que todos os homens socialistas deveriam também se considerar feministas. Não confio no Chavez. Alias, não confio no tipo de revolução que ele diz querer fazer, que fique claro – poderia ser qualquer outra pessoa no papel dele, eu não confiaria -, mas considero a declaração, muito lógica, por sinal, de que um homem que diz socialista, deve se dizer também feminista – no sentido de querer um mundo livre do sistema de gênero e em que os seres humanos possam se desenvolver longe dessas amarras / carapuças de homem ou mulher.

Um comentário:

  1. Excelente, a qualidade de um ser humano não está no gênero, raça, etnia, sexo, classe, religião, cultura... mas nele mesmo, expresso em sua práxis cotidiana.

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