Rasgo o meu coração
Rasga o Coração(Anacleto de Medeiros / Catulo da Paixão Cearense)
Se tu queres ver a imensidão do céu e mar
Refletindo a prismatização da luz solar
Rasga o coraçãoVem te debruçar
Sobre a vastidão do meu penar
Rasga o que hás de ver
Lá dentro a dor a soluçar
Sob o peso de uma cruz de lágrima a chorar
Anjos a cantar
Preces divinais
Deus a ritmar seus pobres ais
Sorve todo olor
Que anda a recender
Pelas espinhosas florações do meu sofrer
Vê se podes ler nas suas pulsações
As brancas ilusões e o que ele diz no seu gemer
E que não pode a ti dizer nas palpitações
Ouviu brandamente, docemente a palpitar
Casto e purpural .... vesperal
Mais puro que uma cândida vestal
Se tu queres ver a imensidão do céu e mar
Refletindo a prismatização da luz solar
Rasga o coração.
No youtube.
Depois da tempestade, a bonança (????)
Há alguns anos já tinha ouvido falar de Gen, pés descalços, a história em quadrinhos de Keiji Nakasawa, leitura obrigatória para quem quer conhecer HQ ou a história das bombas atômicas despejadas sobre o Japão – no caso de Gen, mais especificamente Hiroshima. Bom deixar claro, desde o início, que a história é contada pela ótica de uma criança, mas não é infantil. É profundíssima, inteligente, bem-humorada e ácida.
Bem, não pretendo fazer nenhuma resenha jornalística – isso demanda pesquisa, comparações com outras obras e não estou com muita paciência. Quero, como sempre, falar de mim. Falar de mim em tudo, até quando falo dos outros, quando falo dos livros, filmes e peças que vi.
É que Gen agora é parte de mim. E não há como não ser. É assim com os bons livros, aí é que está a graça, a beleza, a humanidade da leitura. Com o personagem – que sei ser o próprio Keiji Nakasawa, o que, pra mim, aumenta a força da historia – ri loucamente, explodi em lágrimas ou deixei-as rolar mansamente, como quem pensa que a vida é mesmo muito curta e cheia de armadilhas, mas também de boas e belas surpresas.
NUNCA vou esquecer as imagens de keiji. O jeito engraçado que as personagens comemoram, as músicas que as crianças cantavam, nas suas situações mais adversas. O choro, o de-ses-pe-ro. O horror! As pessoas queimadas, com a pele “escorrendo” de seu corpo repleto de larvas. A imagem sempre evocada do pai de Gen, o artesão convictamente antimilirista, de uma retidão de caráter que eu, sinceramente, queria pra mim. Pr´além disso, impressionou demais a relação dos japoneses com a morte – tudo bem, não quero generalizar e tenho de entender o momento por que passavam, em que não havia condições nem para chorar os mortos -: “O que pela alvorada é pele fresca e aveludado, à noite não passa de um saco de ossos”, diz mais ou menos assim o trecho do hino budista. Dos ianques monstros – “a cara vermelha e o nariz pontudo”, no imaginário das crianças que recebiam os chicletes jogados como esmola pelos norte-americanos.
Li em um dia os quatro volumes e no outro dia acordei lembrando de tudo, as imagens dançando na minha mente. Abri os olhos e pensei que o mundo é tanta coisa e eu sou tão pequena; que as pessoas conseguem ser tão boas e tão ruins... podem parecer clichês, mas quando sentidos e entendidos, doem pra caralho em toda sua simplicidade e verdade.
Sem muito tempo pra escrever, meu coração apenas bate mais rápido ao lembrar de tudo isso – sim, lembrar, como se eu tivesse vivido aquilo, pois a literatura tem o poder, penso, de transformar a memória de um em memória e experiência de todos, coletiva. É duro perceber que eu não escrevo tão bem quanto gostaria para compartilhar com todos e todas o que eu vivenciei exatamente com essa leitura, mas fica um quase apelo para que quem quiser pensar o mundo criticamente, pensar a violência e suas causas, a pobreza, a alegria, a superação, leia Gen, pés descalços.
Senti-me pequena e cheia de vida, cheia de responsabilidades para com o mundo e aqueles a quem amo. Contraditoriamente ou não, após a leitura de Gen.
Haicais para mim
imagino na paisagem
a imagem do que fui
Alice Ruiz
Vida repensada
Zezé Pina
Pacientes com leucemia denunciam situação difícil no Ceará
Entretanto, ainda há muito a melhorar. E foi a partir da necessidade de se organizar para mudar a situação que os pacientes com leucemia, familiares e profissionais da área se uniram em torno do Grupo de Apoio ao Paciente Onco-Hematológico, o GAPO, criado em junho de 2007. O objetivo do grupo, que conta com 378 associados, é esclarecer dúvidas sobre a onco-hematologia, compartilhar informações, dar apoio psicológico aos pacientes e solucionar problemas de medicação. O GAPO se mantém, financeiramente, com doações de pacientes, simpatizantes e empresas. A atual presidente do grupo, Velúzia Medeiros, mantêm-se atuante desde o início. Ela fez o transplante de medula óssea em março de 2003 e é portadora de leucemia mielóide crônica.
Tiago Ribeiro também foi um dos fundadores do grupo. Aos 18 anos, teve um câncer entre o coração e o pulmão. Durante o tratamento, conheceu a namorada, Ana Paula, que tinha leucemia. “Eu fui cuidador e paciente ao mesmo tempo”, diz. Casaram-se e Ana Paula precisou passar pela terceira sessão de quimioterapia. A moça estava com o sistema imunológico muito frágil e faleceu com um AVC. Da história de amor nasceu a disposição de Tiago para pesquisar sobre o tema e tentar ajudar outras pessoas. Ele esteve presente na criação do GAPO e hoje, embora afastado, continua a dar sua contribuição, tentando divulgar o trabalho do Hemoce e contatar locais para a coleta itinerante.
Atendimento
Essa é a maior reclamação dos pacientes do Ceará. O atendimento é feito no Hospital Universitário Walter Cantídio, no CRIO, no Hemoce e também no Hospital César Calls. Além disso, há cinco hemocentros no interior do Ceará – Iguatu, Sobral, Crato, Quixadá e Juazeiro do Norte – o que, mesmo assim, não diminui a demanda para a Capital.
Segundo Velúzia Medeiros, “o tratamento é precário, de modo geral. São medicamentos de alto custo que nem sempre estão disponíveis em tempo hábil aos pacientes. Existe a lei, mas nem sempre o paciente consegue o remédio.” Para Tiago Ribeiro, o problema são os altos valores das patentes cobradas pelos laboratórios. Ele cita o caso dos medicamentos monoclonais, que atacam somente as células cancerígenas, o que representa um ganho valoroso para a saúde do paciente. Entretanto, no Brasil, na rede pública, não há esses remédios de “primeira linha”, apenas se a pessoa entrar com uma ação judicial, individualmente, e exigir isso do Estado, o que não quer dizer que ela vá ganhar.
Para se ter idéia do valor dos remédios, uma caixa, para 30 dias, pode chegar a custar 10 mil reais. Isso no Brasil, ou seja, um remédio de “segunda linha”. Tiago denuncia também que, dependendo do tipo de câncer, muitas vezes o paciente tem de trocar a medicação e, se o remédio for mais caro, o Estado não quer pagar. Em outubro, o secretário adjunto da Saúde do Estado do Ceará, Marcelo Sobreira, viajou a Brasília para tratar, junto ao Ministério da Saúde, da compra de um medicamento para o tratamento de 120 pacientes com leucemia. Esse remédio custa R$ 5.054,00 uma caixa/mensal. Desse valor, mil reais deveriam ser custeados pelo Estado, mas não há dinheiro, segundo Sobreira, e os hospitais não estão mais querendo receber os pacientes onco-hematológicos.
Segundo denuncia o GAPO, há um déficit de profissionais também. O correto seria uma equipe multidisciplinar, incluindo profissionais das áreas de Psicologia, Enfermagem, Nutrição, Terapia Ocupacional, Odontologia, Fisioterapia e Serviço Social.
Serviço:
Hemoce - Avenida José Bastos, 3390, bairro Rodolfo Teófilo. Fone: 3101.2296. Funcionamento: de segunda a sexta, das 7h30 às 18h30. Aos sábados, de 8 às 16 horas. Há um posto no Instituto José Frota (IJF), que funciona todos os dias, das 7 às 19 horas.
Para se cadastrar como doador de medula óssea - RG, CPF, ter entre 18 e 59 anos, gozar de boa saúde. Não há limitação de peso. O sangue é coletado e vai para o Rio de Janeiro, para o Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea), onde é cruzado com o cadastro de pacientes que estão precisando do transplante, o Rereme (Registro Brasileiro de Receptores de Medula Óssea), para averiguar a compatibilidade. A chance de encontrar alguém compatível é de uma em cem mil cadastrados, no Brasil.Grupo de Apoio ao Paciente Onco-Hematológico (GAPO) - Rua Capitão Pedro, 1359, no Bairro Rodolfo Teófilo, em frente ao Hospital Universitário Walter Cantídio. Fone: 3223.2624. E-mail: gapoapoioavida@yahoo.com.br.
Ao que vimos - Rumo á Revolução Social
Pretendo transcrever alguns textos ou trechos e compartilhar aqui.Por ora, apresento o editorial número 1, de um sábado, 9 de junho de 1917. Ah! Mantive completamente a ortografia, claro.
Ao que vimos
Rumo á Revolução Social
A Plebe, como facilmente se verifica, é uma continuaçao da A Lanterna, ou melhor dizendo, é a propria A Lanterna que, attendendo ás excepcionaes exigencias do momento gravissimo, com nova feição hoje resurge para desenvolver a sua luta emancipadora em uma esphera de acção mais vasta, de mais amplos horizontes, com um integral programma de desassombrado combate a todos os elementos de oppresão que sujeitam o povo deste paiz, como o de toda a terra, á odiosa sociedade vigente, alicerçada por toda a sorte de misérias e de violências.
Surgindo, ja dezesete annos, com feiçao anti-clerical especializada, por iniciativa de quem militava no movimento libertário, vinha, a popular folha, inegavelmente, corresponder á grande necessidade de se dar decidido combate ao ultramontanismo dominador, cuja chocante ousadia provocara entao, aqui e em outras partes, uma notavel agitaçao de protesto.
Reapparecendo em nova phase, em 1909, tambem pelo esforço de elementos anarchistas, ainda dessa vez attendia tal tentativa, acolhida com enthusiasmo desusado, a evidentes exigencias de ser, com vivacidade, activada a campanha, já amortecida, contra o nefando clericalismo, pois que vinha ao encontro do formidavel movimento de indignação mundial provocado pelo infame crime de que Ferrer, o libertário abnegado, fôra a victima gloriosa, tombando altivmente nos fossos do castello de Montjuich, sacrificado pelos manejos do tenebroso conluio reaccionario então dominante na Hespanha e no qual o bando negro do Vaticano fôra elemento dominante.
E assim, sempre sustentada pelos mesmos lutadores do meio libertario, valiosamente coadjuvantes por um bom nucleo de homens de consciencias bafejadas por princípios innovadores espalhados por todo o Brazil, foi A Lanterna atravessando os annos, vivendo a vida penosa e de sobressaltos das folhas avançadas, zurzindo impiedosamente a canalha da Igreja, desmascarando os tartufos sociaes, combatendo, em campanhas memoraveis que lhe valeram perseguições sem conta, todas as explorações e tyrannias e collocando-se sempre, com a sinceridade e o enthusiasmo de quem esposa uma causa que é sua, ao lado das victimas das potentados.
Foram-se, porém, passando as semanas, os mezes continuam somando-se, ao mesmo tempo que acontecimentos de excepcional importancia chamam á actividade todos os militantes da vanguarda social de todo o mundo, reclamando delles o maximo de sua dedicação em prol da causa da completa libertação da humanidade.
A conflagração horrorosa a que a burguezia vae arrastando, uma a uma, todas as nações, convulsionando o mundo, precipitou espantosamente os acontecimentos de maneira a accelerar a solução dos grandes problemas sociaes que, positivando-se ha meio seculo, traziam agitados todos os povos civilizados da terra.
Urge a acção em todas as suas manifestações, consciente, decidida, vigorosa.
Como é bom de ver, nessa obra titanica cabe logar de destaque á imprensa avançada, a quem está confiada a missão delicada de orientar o povo, hoje á mercê da perseverante acção damnosamente mystificadora dos jornaes ao soldo dos dominadores da época.
Por isso, apesar das tremendas difficuldades dominantes, apparece A Plebe em substituição á A Lanterna que, tendo surgido com um titulo tradicionalmente anticlerical, para dar combate ao clericalismo, apresentou-se sempre com uma feição mais ampla, atacando o padre e a Igreja na sua razão de ser, como elementos perniciosos, alliados perennes dos dominantes, ao mesmo tempo que tocava, por ser dirigida por libertários, em todas as faces da questão social.
A Plebe vem, porisso, para corresponder, de maneira mais completa, á magnitude deste extraordinario momento historico por que está atravessando a humanidade.
Estão em jogo os destinos da sociedade actual. Multiplos sao os elementos que, em tragica associação, arrastaram os povos á horrivel situação presente, exigindo que contra todos elles se empenhe uma luta sem treguas e de extermínio.
Associados no mal, baldado será o esforço para separal-os, pois que a sua condicçao de existencia está indissoluvelmente ligada á propria união, que lhes assegura a situação revoltante de dominadores moraes e materiaes de toda a sociedade humana, que vive tyrannizada e espoliada afim de lhes garantir vida farta, ociosa e parasitaria.
Para se conseguir vencer o monstro social que infelicita o povo productor não bastará decepar-lhe uma de suas monstruosas cabeças que, como as da hydra de Lerna, renascem com redobrado vigor para a sua malefica acção.
O clericalismo, que é uma das cabeças desse monstro, só desaparecerá quando, num movimento audaz e vigoroso, se lhe desferir o golpe certeiro e mortal.
A humana espécie sómente poderá considerar-se verdadeiramente livre e começar a gosar da felicidade da qual é merecedora quando sob os escombros fumegantes desse burgo podre que é o regimen burguez desapparecerem para todo o sempre, com a maldição de todas as gerações sofredoras, o Estado, a Igreja e o militarismo, instituições malditas que lhes servem de esteios.
Para esta meta grandiosa, ardentemente almejada, caminhamos a passos agigantados, como nos indicam os formidaveis acontecimentos que se estão desenrolando, numa sequencia deslumbradora, desde as luzitanas plagas até ás steppes geladas da longinqua Russia.
Rumo á Revolução Social vai, alfim, a humanidade, em busca da liberdade e do bem-estar mentirosamente prometidos, através dos seculos, por toda as religiões e pelas multiformes organizações políticas que a têm mantido em perennal servidão.
E como o Brazil, tendo a sua vida estreitamente ligada á dos demais paizes e estando sujeito ao mesmo condemnado regimen da propriedade privada e da autoridade, que permite a ignomínia da exploração do homem pelo homem, será, em mais ou menos tempo, inevitavelmente arrastado no vortice dos acontecimentos que hão de transformar a face do mundo civilizado, - necessario é que [uma palavra está rasgada. Talvez seja "nós"] bem aqui, neste rincão p [está rasgado também. Deve ser "perdido"] da América, nos aprestemos para não sermos apanhados de surpresa quando soar a hora em que aos quatro ventos da terra dos abolicionistas audazes tiver de ser desfraldada a rubra bandeira da nossa verdadeira libertação.
É como reflexo vivo dessa convulsão apocalyptica que surge A Plebe, filha dos ardentes anceios de uma pleiade de moços combatentes da phalange libertaria.
Vem este jornal ser um éco permanente das lamentações, dos protestos e do conclamar ameaçador dessa plebe immensa que desde os seringaes da Amazonia aos pampas sulinos, em terra, no mar, nas escuras galerias do sub-solo, nos ergastulos industriaes ou nos invios sertões vive sempiternamente a mourejar, em condições de escravos modernos, para manter na opulencia os ladrões legaes que aqui, em má hora, viram a luz do dia, ou, como aves de rapina, aportaram de outras paragens.
Os sonhos que animaram as mentes privilegiadas dos martyres da independencia, dos heroes da abolição e da cruzada republicana desoladoramente nessa coisa abjecta que a todos infelicita.
Liberdade, egualdade e fraternidade só existem como uma grosseira expressão rethorica rotulando muita miseria e oppressão.
Urge, portanto, proseguir na obra dos abnegados de outrora para que, quando além das fronteiras convencionaes ruir fragosamente o arcabouço apodrecido do regimen social dominante também o povo desta terra, no arrebol de um novo e sublime 13 de Maio, conquista a sua alforria derradeira, fazendo com que o Brazil, passando a pertencer todos os seus habitantes, a todos proporcione uma vida folgada e feliz que a exuberancia trabalhada de sua riquezas naturaes permitte.
É com esse objectivo que vem lutar A Plebe.
Edgard Leuenroth
Quem sou eu?
Na busca voraz de si e do outro, intensidade e doação conduzem o artista a um mergulho no eu profundo
O início – onde a memória alcança – foi a Quixeramobim do Pedro menino que ouvia as histórias da mãe, habilidosa contadora de causos e aventuras. Na brincadeira de criança, a arte-refúgio – doce e inocente inconsciência de ser arte. A geometria da cidade talvez tenha sido a primeira fagulha na cabeça daquele que seria artista mais tarde – era rio, chuva, serra, ponte em que cabe um trem inteiro. Geometria da vida, dos sentidos, de olhar o mundo diferente.
A adolescência foi Fortaleza, a “casinha” na Avenida José Bastos, convivência com os irmãos; primeiro lugar no Municipal, depois a entrada no Liceu do Centro, colégio “lendário”. Lá, era “barra pesada”; o ensino precário e a turma que enfrentava as autoridades, os professores. Transgressora também era a irmã de Pedro. Rompia barreiras, abria caminhos – apresentou-lhe, literariamente, Fernando Pessoa e Eça de Queirós, e falou-lhe, como quem não quer nada, do artista que estava oferecendo um curso de desenho na Casa Amarela: Jean-Pierre Chabloz. A arte não era um projeto, e o encontro com o mestre parece ter sido quase por acaso. Existe destino?
O artista plástico, professor do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretor do Museu de Arte da mesma instituição, homem maduro – mas sempre em mutação, em conflito com idéias pré-estabelecidas, inquieto – que nos fala hoje, é fruto de suas vivências permeadas pela dedicação à arte e ao mergulho profundo em si mesmo. A narrativa tecida numa mescla de leveza e ênfase é linda – de ouvir e ver; as mãos, consagradas à arte, desenham no ar gestos longos que teimam em traduzir cada situação vivenciada com a habilidade e sensibilidade de quem sabe lidar com o traço. As mudanças bruscas de tom de voz culminam nos pontos altos da entrevista, aqueles longos silêncios tão eloqüentes, momentos em que senti a força da reflexão acerca de uma extensa trajetória, do olhar de hoje sobre o passado. A memória se apresenta com todo vigor e criticidade; o bom jornalismo deve provocar isso.
O desenho lhe descortinou um universo de sentidos. A cada contemplar do mundo, mil informações bombardeavam cabeça, sentidos, alma. Tudo parecia novo. Talvez lhe fosse difícil imaginar como as pessoas olham o mundo e não o vêem. Primeiro foi o fascínio do desenho como imitação, depois paixão pelo momento do desenho, que traz autoconhecimento. Que poder tem o traço! A “brincadeira” com o carvão achado no quintal, o pastel se diluindo, “a vivência das tensões numa tela, antes de ela ficar pronta”. Inundação da alma. Se o que o agrada é justamente o processo da pintura, da tela em branco à obra pronta, o que sinto é um misto de angústia, ansiedade e frenesi ao pensar nas mil possibilidades em aberto, na atualização da vida, no eterno re-começo do tempo cíclico, na chance de, mais uma vez, dizer de outras formas.
O outro é sempre um abismo – se nós já somos... Para mim, também o momento de preencher a tela morta do meu computador com as cores de Pedro Eymar – ora vermelhas, vivas, pulsantes e libertas, como num Bandeira que tanto gosto, ora num azul bem escuro, como a noite que parece não ter fim e, paradoxalmente, tanta luz pode trazer – é prazeroso e angustiante. Mergulho no Eu profundo. Não é possível dar conta de uma vida em um texto; nem em uma obra de arte qualquer. Posso, quando muito, oferecer pistas selecionadas pelo meu olhar de menina-mulher, vida inteirinha pela frente.
Do rapaz que botou seus desenhos debaixo do braço e rumou para o Rio, ao professor e diretor do Mauc – “oficina, morada e fonte de imaginação” –, a certeza de que há algo que nos move e, ao ser despertado, ninguém segura. Na tela da vida, o gosto de Pedro é mesmo misturar os matizes, os tons, participar do desenrolar dessa história. Intensidade e doação são palavras constituintes da narrativa de sua passagem nesse mundo.
Dia Internacional do Orgulho LGBTT: 40 anos de cores e irreverência
Após 40 anos do início dessa história, o movimento de LGBTT se reinventou e se fortaleceu, espalhando suas cores por todo o mundo: Roma, Tel Aviv, São Francisco, São Paulo, entre outras grandes cidades. Já em Fortaleza, a 1ª Parada pela Diversidade Sexual aconteceu em 1999, contando com 500 participantes. Hoje, é o maior evento realizado por movimento social no Ceará e a terceira maior Parada do País, só perdendo para São Paulo e Rio de Janeiro. No ano passado, o número de participantes chegou a 800.000, segundo a Polícia Militar.
Este ano, a X Parada pela Diversidade Sexual do Ceará rememorou as datas históricas do movimento, com o tema “1969... 79... 89... 99... 2009: A Luta Continua”. O movimento LGBTT também está comemorando os 20 anos do Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), organização pioneira do movimento homossexual do Ceará, que visa “contribuir para melhorar a qualidade de vida de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, e pessoas vivendo com HIV / Aids”, segundo a educadora do Grab e organizadora da Parada, Dediane Souza.
Homofobia ainda é forte no Ceará
A luta contra a homofobia é travada em todas as frentes, inclusive no Legislativo. A Parada do Orgulho LGBTT divulgou a campanha Não Homofobia, que pede a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 122 / 126, de 2006, que criminaliza a homofobia – é possível votar pelo site www.naohomofobia.com.br. Se a lei for alterada, toda pessoa que sofrer discriminação em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero poderá prestar queixa formal em qualquer delegacia, o que levará à abertura de processo judicial. Isso não é privilégio, é apenas reconhecer que a opressão existe e deve ser combatida em sua raiz: o preconceito contra a orientação sexual.
A política LGBTT
Para o professor e pesquisador, as Paradas Gays são estratégias de “visibilização” do movimento e têm sim uma dimensão de irreverência e festa, que é como um “choque perceptivo, cognitivo imposto à coletividade; isso diz que o segmento LGBTT está organizado”. Opinião parecida tem a educadora do Grab e organizadora da Parada pela Diversidade Sexual, Dediane Souza. Na fala da militante, o evento é a chance que a comunidade tem de dialogar com a sociedade civil e o poder público, apontando políticas públicas que devem ser implementadas especificamente para o segmento LGBTT. Para Dediane, “a Parada é o momento de coroação das lutas, já que o movimento passa o ano todo desenvolvendo ações relativas à saúde, educação, juventude”.
Calendários de Paradas no Ceará, em 2009:
Endereço: Rua Teresa Cristina, 1050. Centro – Fortaleza (entre as ruas Clarindo de Queiroz e Duque de Caxias).
Fonte: 3253.6197
E-mail: grab@uol.com.br
Sites interessantes:
Guia Gay Fortaleza: www.guiagayfortaleza.com.br
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABLGBTT: www.abglt.org.br
[WenDo] Entrevista com Trude Menrath
Fonte: http://gafeminista.blogspot.com/2009/04/wendo-entrevista-com-trude-menrath.html
O pai do balé cearense vive a densa leveza do espetáculo da vida
O artista nasceu a partir das viagens com a Companhia Marquise Branca, mas há anos era engendrado – teatrinho em casa com os amigos, improvisado com os lençóis da avó, peças no ginásio, vivência intensa da atmosfera cultural do centro de Fortaleza. Despontou mesmo quando resolveu enfrentar os mares bravios da terra natal rumo ao centro cultural da época, a gloriosa e ebulitiva Rio de Janeiro.
Os olhos azuis como o mar que se lhe afigurava na antiga ponte da Praia de Iracema – olhos plenos de sonhos e persistência – devem ter antevisto as adversidades que estavam por vir, mas provavelmente não adivinharam o sucesso; talvez tenham apenas o desejado ardentemente. Diante de tantas dificuldades, a beleza do teatro revista o interpelava com força e se mostrava convincente. “Era o meu destino”. Hugo estava em casa. Se o mundo lá fora era cinza – noites nas praças ou nos bondes, amparado pelo colo da amiga Suzy –, a convivência com aqueles que viriam a ser grandes bailarinos era cor, glamour, “a glória”.
O pai do balé cearense viu, como bom pai que acompanha a cria, as mudanças pelas quais essa arte passou: das primeiras filhas que não aprendiam “direitinho”, ao desabrochar de jóias lapidadas por ele, passando pelas disputas internas objetivando a graça do público. Hugo Bianchi acompanhou também a efervescência da década de 70 – quando os recursos não faltavam –, os espetáculos grandiosos tratando de temas universais e regionais e os momentos seguintes de dificuldades financeiras.
O bailarino é o testemunho vivo de uma história – da dança, do nacionalismo (o Serviço Nacional de Teatro tentava criar uma dança brasileira, com a bailarina Eros Volúsia), da tentativa de afirmação de uma cultura genuinamente cearense (muitos de seus espetáculos trataram de temáticas reconhecidamente atribuídas ao Ceará), do cenário cultural de toda uma época que o criou e foi por ele também criada. A narrativa de Hugo Bianchi percorre desde a época em que o balé clássico era moda entre a elite fortalezense ao presente, em que o balé se reinventa, incrementa-se e convive com a dança contemporânea.
O bailarino dançou com densa leveza o balé repertório da vida, chegando este ano ao 83° ato. Do alto da longa trajetória, desfia os caminhos de sua existência cheia de emoções. As reminiscências, sempre acompanhadas de muitos gestos, denotam uma relação com o corpo bastante expressiva, própria da arte que se transformou em sua vida. Um homem sereno e gentil, mas de uma postura ereta, rígida. Lúcido e sem falsa modéstia, entende-se como vencedor, pioneiro da dança no Ceará.“Sensível, um verdadeiro artista”, como foi definido por tantos. Alguém que aceitou a dor e a delícia de viver da arte e para a arte. Vaidoso, é com gosto indescritível que relembra a beleza do corpo de outrora. Aliás, a idéia do belo é imprescindível em seu conceito de arte: é o sublime, o não-cotidiano, as histórias grandiosas que povoam seu imaginário acerca do balé. A arte é para fazer sentir, “passar emoção”. Os movimentos leves, flutuantes do balé clássico, são a concretização dos sonhos.
A mulher que veio para incomodar e a perspectiva radicalmente histórica de que “o mundo pode dobrar uma esquina”
Livros, gatos em miniatura, rádios antigos de madeira, pratos de porcelana enfeitando as paredes. O apartamento modesto, aconchegante e colorido era um texto a encher os olhos e a antecipar muito de nossa entrevistada, a professora e historiadora Adelaide Gonçalves. Sua presença forte e elegante, cheia de um estilo próprio, impregna aquele lugar e aguça os nossos sentidos; a vida à flor da pele, intensa e visceral, como me parece tudo relativo a esta mulher.
Ela é toda eloqüente: gestos largos, olhar incisivo, cores, pulseiras, cigarros fumados ou simplesmente retidos entre os dedos. Postura pensante, imaginativa, porém respostas rápidas, na ponta da língua. Argúcia. As palavras fluem como um rio que sabe muito bem aonde ir, de forma um tanto cartesiana. Quem é ela? Uma mulher de muitas faces, tal qual José Martí? Creio que sim. Ela é ela e suas circunstâncias, parafraseando o poeta.
A menina nasceu em Tauá, no interior do Ceará, e aos cinco anos aprendeu a ler, com um tio. Estudou em colégio de freira, onde lhe ensinaram a não agredir o Vernáculo – difícil era saber quem era esse senhor! A cidade era a escola e as responsabilidades que advinham dali. Mas o campo... Ah! O campo era a expressão profunda de uma infância feliz: moagem de cana, farinhada, milho, cheiros, fartura, festas de santos, a avó Mimosa.
Cresce a menina. Quase moça, auxiliar da bibliotecária no Ginásio Antônio Araripe, mergulhou em Germinal e sentiu “como se a cabeça estilhaçasse”. Percebeu, com a inteligência e perspicácia que lhe são peculiares, o sentimento do qual Maiakovski também compartilha: “A palavra é um barril de pólvora”. Quando explode, a imaginação voa solta e o mundo nunca mais vai ser o mesmo para quem o vivenciou por esses outros olhos, construídos a milhares de mãos, pois não são somente autor e leitor os envolvidos nesse jogo. Os horizontes se ampliam. O sertão passa a ser o mundo.
Irreverente desde nova? Na medida do possível. Não é fácil imaginar Adelaide Gonçalves fazendo trabalho de catequese nos distritos de Tauá. Mas “há passagens inescapáveis na vida de uma pessoa”. Não destino, como faz questão de frisar. Tanto que passou da mocinha catequista àquela que quer estar ao lado dos pobres da terra. E as lembranças agora são povoadas por “uns padres que não vestem batina, falam em sindicato, são perseguidos pelos poderosos do lugar”.
Adelaide próxima dos 20 anos: Fortaleza, agora não mais só as férias em casa da tia de classe média. A vida, nessa época, era eterna descoberta, desencadear de acontecimentos impactantes. Abalaram-na profundamente os vários Severinos, que morrem “de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. As greves do ABC faziam o peito vibrar. O Socialismo parecia cada vez mais próximo. Cuba emocionava e motivava. Por um governo dos trabalhadores, a professora de História ingressa no PT, onde atuou por mais de 20 anos, ao fim dos quais concluiu que “o partido era partido” e a burocratização já havia tomado conta de tudo há bastante tempo.
As palavras – de novo o barril de pólvora! – e a vivência no Pirambu detonam as revoluções interiores, as que pegam na veia, são pra valer. As crianças tinham os cotovelos deformados por bichos-de-pé. Era a miséria urbana. Naquele momento, o que mais coube foi Gorki – “Estou falando de homens que um dia foram homens” – e a vontade dilacerante e pungente de fazer alguma coisa. Estava ganha para o lado esquerdo do mundo. Constrói uma vida em que a questão social é vista como primordial e com um olho sensível, “sin perder la ternura jamás”.
Há também a face da pesquisadora que ousa atender ao chamado de seus objetos de pesquisa, o jornalismo abusado dos trabalhadores, “sem compromisso com o bom vernáculo”, mas apenas com o novo devir – a aurora de um mundo livre e justo. Na cultura proletária, encantam-lhe o teatro social, as greves – “a coreografia das greves” –, os hinos, o barulho de um piquete, os cortejos de 1º de maio. O coração floresce ao pensar nas possibilidades que a História reserva.Com que tremenda lucidez esta mulher reafirma sua crença na necessidade da Revolução e no potencial da América Latina em construir uma nova ordem social! Contra os consensos fabricados em escala mundial, com tanta força introjetados em nós, Adelaide apresenta a perspectiva radicalmente histórica de que “o mundo pode dobrar uma esquina”. Ela concretiza a audácia de sonhar com que a vida seja boa para toda a gente.
As mulheres de Beauvoir
Simone terminou de escrever A mulher desiludida (La femme rompue) em maio de 1967. Todas as histórias têm como personagem principal uma mulher. São mulheres em crise, sentindo-se traídas, solitárias, fracassadas, acuadas e angustiadas, em situações e graus diversos. Não são narrativas de ação, mas textos intimistas, que buscam traçar um perfil psicológico das personagens. Ou seja, não há um ápice e uma resolução do enredo, como, aliás, na maioria dos romances de Beauvoir.
Os críticos franceses, à época, não receberam bem o livro – como também não gostaram d’O segundo sexo, em 1949 - e chegaram a dizer que a Gallimard só continuava a publicar Simone de Beauvoir por pena.
O primeiro romance que ela publicou foi A Convidada (1943), porém o mais conhecido é, provavelmente, Os Mandarins (1954), uma convocação à arte engajada que ganhou o prêmio Goncourt, a mais importante distinção literária da França. Ao todo Simone de Beauvoir escreveu sete romances, uma peça de teatro, um depoimento, cinco livros memorialísticos e dez ensaios. Dentre os ensaios está a sua obra mais conhecida e influente: Le Deuxième Sexe (O Segundo Sexo), de 1949, um estudo apaixonado pela abolição do que ela chamou o mito do "eterno feminino". Esta obra tornou-se um clássico da literatura feminista e marcou o início da preocupação com a condição das mulheres na obra de Beauvoir.
O romance A mulher desiludida surge, então, num contexto de maturidade filosófico, política e artística da autora, no entanto, num período bastante conturbado, pois recentemente a crítica havia atacado duramente dois livros de Beauvoir: Uma morte muito suave (Une mort très douce), de 1964, sobre a morte da mãe dela, e As belas imagens (Les belles images), de 1966, sobre a sociedade de massa e a solidão dos indivíduos.
Um outro contexto bastante interessante do surgimento do livro é a ascensão do movimento feminista à época. Muitos estudiosos consideram que o grande vencedor do Maio de 68 francês foi o movimento de mulheres, por ter posto em discussão o privado, desconstruindo depois a própria oposição público x privado e dizendo ao mundo que as questões ditas “individuais” são também políticas, por isso a condição das mulheres, antes encarada como situação pertencente à esfera do privado, diz respeito sim à esfera do público, do político. E é neste momento que Simone de Beauvoir está começando a participar mais ativamente do movimento feminista, principalmente na luta pelo aborto livre.
O primeiro romance de A mulher desiludida chama-se A idade da discrição (L’âge de discrétion). Uma intelectual de sessenta anos, casada com um cientista de muito sucesso e também sexagenário, nos conta, num relato cheio de angústias e descobertas, como está sendo se tornar idosa. A personagem está incomodada porque o marido, André, não aceita a velhice, enquanto ela encara essa fase da vida com naturalidade. Essa discordância a atormenta, pois ela é uma adepta do mito da “comunicação total” entre um casal – “acreditava-nos transparentes um para o outro, unidos, soldados como irmãos siameses”, diz.
Ora, Simone de Beauvoir era, como já disse, feminista e existencialista, e a sua literatura não nega isto. Para o pensamento existencialista, o outro é sempre um outro, mesmo que se tenha relações de fraternidade – ler a respeito disto o belíssimo romance de Simone intitulado O sangue dos outros, de 1945. Daí a crítica feita em A idade da discrição à crença de que se pode conhecer o outro tão intimamente a ponto de uma quase “fusão”. O principal no romance é a relação da mulher com o marido, embora o título sugira que seja a velhice a temática maior. Ao descobrir que não sabe tudo sobre André, a personagem sente-se aturdida e passa a se perceber velha, num sentido negativo. Paralelo a isto há uma profunda desilusão com o filho e com um livro que acabara de publicar.
Embora a exposição das idéias seja brilhante e inteligentíssima, a narrativa deste romance é, às vezes, demasiado objetiva, o que deixa um ranço de “pensata”: como se a autora tivesse criado suas personagens apenas para que ilustrassem idéias pré-concebidas. No entanto, há momentos em que sentimos o prazer de uma argumentação sólida, de um autoconhecimento invejável... A personagem se mostra lúcida, intensa e segura de si, apesar da crise. Isso é refletido na narrativa, que se torna fluida e visceral.
A história aborda ainda, de forma superficial, a esquerda francesa e a questão de classe. Segundo Simone de Beauvoir, dos três romances publicados em A mulher desiludida, este foi o que ela menos gostou, pois tratou do tema da velhice de forma “superficial”. Mais tarde a autora viria a “acertar as contas” com a problemática, pois publicou em 1970 um longo ensaio chamado A velhice.
O segundo texto, intitulado Monólogo, é violento e desesperado. Deve ser lido de um fôlego só. A personagem chama-se Muriel, mulher que foi bastante reprimida na infância e tem o sonho burguês de assepsia moral e de uma família de “propaganda-de-margarina”. Muriel está sozinha, em seu apartamento, na noite de Ano Novo. Ela está furiosa com todos, que pensa quererem espezinhá-la e rir-se dela. Acha que para superar a humilhação, deve conseguir seu marido de volta para assim reestabelecer a sua família. O que motivou a desagregação da família foi um episódio aterrador: Sylvie, a filha, não suportando a conduta opressora e punitiva da mãe, que se projetava nela, havia suicidado-se há cinco anos. Depois disto, Muriel é afastada do filho, Francis, garoto de 11 anos de idade.
Simone de Beauvoir foi genial ao escolher como recurso literário o monólogo: é ininterrupto, traz a idéia de loucura, de esquizofrenia. Já a supressão da vírgula nos força a freqüentemente recomeçar a leitura da frase, o que nos faz sentir frente a uma pessoa desequilibrada, com quem nos custa estabelecer diálogo e entender o sentido de suas idéias. A angústia expressa nessas páginas é intensa, mas tão tanto quanto a compaixão, sentimento desprezado pelos existencialistas.
A mulher desiludida, romance que dá nome ao livro, é o mais longo e está escrito no formato diário. Quem conta a história aqui é Monique, de quarenta anos, casada há 20 e com duas filhas, ambas adultas e já morando fora de casa. Monique deixou de trabalhar há 10 anos para se dedicar mais ao lar – marido e filhas. Porém nos últimos tempos Maurice, o marido, está diferente. A mulher tenta não pensar no assunto, apoiando seu amor nas lembranças do casamento feliz de outras épocas. Até que descobre a verdade inapelável: ele tem outra. E é a partir dessa descoberta que Simone de Beauvoir vai nos mostrar, com maestria, o que uma mulher pode fazer a ela mesma em nome do papel que ocupa nesta sociedade burguesa.
Monique passa todo o tempo a pensar em variáveis para desmontar o enigma do relacionamento de seu marido com outra mulher ou gasta os dias a maquinar planos mirabolantes para desmoralizar a sua “rival”, constranger o marido ou tê-lo de volta. Ela parece tão pequena, tão fútil! Tão escravizada! É possivelmente mais angustiante do que o Monólogo, pois enquanto lá não vemos saída para Muriel, em A mulher desiludida ainda podemos ter esperanças de uma “volta por cima”, que Simone habilmente não nos deixa acompanhar, apenas insinua. Beauvoir disse que este romance deve ser lido como uma história policial, no sentido de que o leitor deve prestar atenção às pistas deixadas no diário de Monique com o intuito de conhecê-la de verdade, longe da representação que ela cria dela mesma e de sua vida.
Simone de Beauvoir revelou que muitas mulheres a escreveram sobre este romance. Elas se identificavam com Monique, tinham histórias parecidas e, portanto, tomavam o partido da personagem contra o marido e a amante. A autora, em seu livro autobiográfico Balanço Final, declarou que ficou aborrecida com essas interpretações, pois pretendia justamente o contrário: uma crítica à mulher dependente.
A mulher desiludida foi o romance mais atacado do livro. Alguns críticos disseram que o romance era “água-com-açúcar”, o que demonstra estreiteza ou má vontade para com a autora e a temática feminina, pois fica claro, pra quem conhece o mínimo sobre a feminista existencialista que é Beauvoir, que o romance é como uma “sacudida” nas mulheres. Simone relatou, também em Balanço Final, que algumas feministas ficaram indignadas porque ela não criou uma heroína, uma mulher autônoma e bem-resolvida que saísse da crise.
E por que reunir os três romances em um livro? Há uma unidade neles: a temática feminina, óbvio, mas, além disso, a abordagem, a partir do fracasso, da angústia e da solidão, de histórias facilmente encontradas no universo feminino. Pode-se pensar que o fracasso, n’A mulher desiludida, é o fracasso como mãe, intelectual e esposa, e que a angústia e a solidão advêm daí.
Não. Simone de Beauvoir despreza os “fracassos” das personagens. Isso para desconstruí-los: o que é ser uma intelectual e escrever best-sellers? O que é ser mãe e ser uma boa mãe? Qual o papel que a sociedade imputa a uma mulher casada? O que significa ter um casamento feliz? Ela vai às estruturas da nossa sociedade e faz uma crítica atroz ao modelo social burguês e às mulheres que ainda não se tornaram seres humanos íntegros, independentes, livres, autônomos.
Vindo este livro de Simone de Beauvoir, “a escandalosa”, que optou por não casar, morar só, não ter filhos e manter com Sartre, seu companheiro, uma relação baseada na individualidade do outro, não podemos ignorar a discussão acerca da família, do modelo de família nuclear. A crítica à família está no Monólogo, quando Muriel, na tentativa de ser uma “boa” mãe – ou seja, ter sucesso ao incutir na filha a moral e os valores patriarcais – acaba por levar Sylvie ao suicídio. E por que uma mulher tem de ser uma boa mãe? Aliás, por que tem de ser mãe? O papel social atribuído às mulheres é discutido por Simone de Beauvoir n’O segundo sexo, ao cunhar a famosa frase “não se nasce mulher, torna-se”. Ou seja, os papéis são atribuídos às pessoas através de convenções sociais, e não biologicamente, portanto são culturais e não naturais, podendo ser subvertidos. A ideologia se encarrega de nos fazer pensar que os valores são universais e os papéis dos sexos são naturais. Daí a surpresa de muitos ao encontrar uma mulher que não quer ter filhos!
A autora aborda também o apego que as mulheres têm às instituições, principalmente ao casamento e à família, claro. A personagem de A idade da discrição acreditava, no início do romance, que tinha por trás dela um bonito passado, sólido, e por causa disso estava realizada e poderia suportar a velhice. Muriel evoca constantemente, do âmago de sua loucura, a “impecável” mãe que fora. E Monique usa o amor morto como pretexto para continuar a busca pela reconstituição de seu casamento.
As três mulheres chegaram ao fundo do poço e foram obrigadas a encarar suas fraquezas. A primeira, ao que tudo indica, terá ainda momentos de tensão com a velhice, mas saberá conviver com a idade. A segunda parece estar agonizando - a própria Simone, na sua autobiografia, diz que para Muriel só resta a loucura ou o suicídio. E a terceira, fomos obrigados a abandoná-la num momento em que fica indicada um tentativa de resistência.
Vista por esse ângulo – da exposição das fraquezas - Simone de Beauvoir é mais nitidamente feminista e existencialista. É necessário que as mulheres passem por uma situação extrema para que tenham a “revelação” – e isto em Beauvoir lembra a epifania presente em Clarice Lispector – da sua real condição - vejam que o que há é só o “deserto do passado”, como uma das personagens diz, citando Chateaubriand - e assim sejam obrigadas a escolher, “existencialísticamente” falando, com toda a angústia que a necessidade de escolhas pode trazer, o que vão fazer de suas vidas.
Pois ousemos a escolha, com todos os riscos que ela traz! Este livro completou quarenta anos e como é doloroso perceber a extrema atualidade de sua temática! As mulheres, desiludidas, devem buscar uma nova relação com o mundo e com os outros, livres da dependência, do vitimismo, almejando ser indivíduos completos. Neste sentido, Beauvoir deixa a sua contribuição, como catalisadora de um processo.
Lua nova demais, de Elisa Lucinda
Lua nova demais
Dorme tensa a pequena
sozinha como que suspensa no céu
Vira mulher sem saber
sem brinco, sem pulseira, sem anel
sem espelho, sem conselho, laço de cabelo, bambolê
Sem mãe perto,
sem pai certo
sem cama certa,
sem coberta,
vira mulher com medo,
vira mulher sempre cedo.
Menina de enredo triste,
dedo em riste,
contra o que não sabe
quanto ao que ninguém lhe disse.
A malandragem, a molequice
se misturam aos peitinhos novos
furando a roupa de garoto que lhe dão
dentro da qual mestruará
sempre com a mesma calcinha,
sem absorvente, sem escova de dente,
sem pano quente, sem O B.
Tudo é nojo, medo,
misturação de “cadês.”
E a cólica,
a dor de cabeça,
é sempre a mesma merda,
a mesma dor,
de não ter colo,
parque
pracinha,
penteadeira,
pátria.
Ela lua pequenininha
não tem batom, planeta, caneta,
diário, hemisfério,
Sem entender seu mistério,
ela luta até dormir
mas é menina ainda;
chupa o dedo
E tem medo
de ser estuprada
pêlos bêbados mendigos do Aterro
tem medo de ser machucada, medo.
Depois mestrua e muda de medo
o de ser engravidada, emprenhada,
na noite do mesmo Aterro.
Tem medo do pai desse filho ser preso,
tem medo, medo
Ela que nunca pode ser ela direito,
ela que nem ensaiou o jeito com a boneca
vai ter que ser mãe depressa na calçada
ter filho sem pensar, ter filho por azar
ser mãe e vítima
Ter filho pra doer,
pra bater,
pra abandonar.
Se dorme, dorme nada,
é o corpo que se larga, que se rende
ao cansaço da fome, da miséria,
da mágoa deslavada
dorme de boca fechada,
olhos abertos,
vagina trancada.
Ser ela assim na rua
é estar sempre por ser atropelada
pelo pau sem dono
dos outros meninos-homens sofridos,
do louco varrido,
pela polícia mascarada.
Fosse ela cuidada,
tivesse abrigo onde dormir,
caminho onde ir,
roupa lavada, escola, manicure, máquina de costura, bordado,
pintura, teatro, abraço, casaco de lã
podia borralheira
acordar um dia
cidadã.
Sonha quem cante pra ela:
“Se essa Lua, Se essa Lua fosse minha...”
Sonha em ser amada,
ter Natal, filhos felizes,
marido, vestido,
pagode sábado no quintal.
Sonha e acorda mal
porque menina na rua,
é muito nova
é lua pequena demais
é ser só cratera, só buracos,
sem pele, desprotegida, destratada
pela vida crua
É estar sozinha, cheia de perguntas
sem resposta
sempre exposta, pobre lua
É ser menina-mulher com frio
mas sempre nua.
(Poema encomenda,1995)
Começo de tudo, de manhã cedo
A implosão da mentira
Affonso Romano de Sant'Anna
Fragmento 1
Mentiram-me.Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.
Mentem.Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.
Fragmento 2
Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.
Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre.Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre.E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial?mente,
mente partidária?mente,
mente incivil?mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
—diária/mente.
8 de março
Aqui em Fortaleza temos o jornal O Povo, que circula há mais de 80 anos e tem, hoje, uma tiragem que fica entre os 30 e 35 mil exemplares. Pouco, né? Ainda bem...
Pois bem. O grupo O Povo lançou um caderno especial Dia da Mulher, produzido pelo comercial O Povo e patrocinado por empresas que exploram o triste ideal de “beleza feminina”.
O tom era de comemoração. Em nenhum momento tocou-se na história de luta e resistência das mulheres para chegar ate aqui. Falou-se muito em conquistas, em mundo quase livre do machismo, da opressão de gênero etc. O mito da super-mulher (trabalha, cuida da casa, dos filhos, do marido) foi hiper-valorizado e apresentado como algo inerente ao ser feminino. Que bobagem! Está claro que tudo é uma construção histórica e social e ainda há quem venha falar em essência feminina, em feminilidade – embora feminilidade comporte essa idéia de construção cultural, mas muitas vezes é um conceito usado erroneamente, como algo quase natural, essencial mesmo. E ao invés de estarmos aqui louvando a exaustão das mulheres – a mulher “engolidora de sapos” - deveríamos estar era questionando o porquê de elas terem de se desdobrar em três para dar conta de tantas responsabilidades que são “naturalmente” imputadas a elas. Por que os homens não podem cuidar da casa e dos filhos também? E até mais do que isso: a maternidade é o destino de todas as mulheres? É a sua vocação natural? Não sei não...
Outra questão muito explorada pelo jornal O Povo foi a da participação das mulheres na política. Gostaria que a repórter que fez a matéria de capa do caderno de política tivesse conversado com algumas feministas que já desenvolveram pesquisas mostrando como a participação das mulheres do Parlamento tem sido bem parecida com a atuação dos homens. Acho que é hora de pararmos de englobar meio mundo na categoria “mulheres”, quando há outras variáveis influindo seriamente na constituição de identidade das pessoas: classe, raça, etnia, etc. Não que a categoria de gênero não influencie também (embora eu gostaria que não influenciasse e acho que devemos lutar é neste sentido, para sermos gente, antes de qualquer definição de gênero que só causa opressão e heterossexualidade), mas é que há uma superposição dessas variáveis. Não é a “mulher” (conceito ahistórico e essencialista), mas são as mulheres. Faço coro com a feminista e anarquista Emma Goldman, que sustentou fortemente que as mulheres não têm o poder de purificar a política, porque a política não é passível de purificação, não precisa de uma mudança moral simplesmente. “Imputar a ela (mulher) uma mudança que está além de suas possibilidades é divinizá-la”. Grande Emma!
Frankfurt, chuva (?) e 5ª série
Bateu um ventinho bom no meu rosto e lembrei da época em que, se o tempo estivesse bonito pra chover, eu não fazia outra coisa a não ser pensar no prazer que ia sentir quando a chuva desabasse e eu me pusesse sob as grossas gotas d’água. Por que não é mais assim? Por que passo tantos dias sem nem olhar as estrelas (quiçá contá-las e ter medo das verrugas vindouras rsrs), quanto mais pensar em chuva se não for pra achar ruim porque isso me atrasa, me molha, me dessarruma, bla, bla, bla...?
Quarta-feira encontrei um amigo antigoooooooooo – Aílson, 5ª A. Pusemo-nos a lembrar o passado. Ai que vontade de chorar! Que sufoco! E que vergonha também. É que eu lembrava de cada coisa, e ele só dizia “Ah, acho que sei quem era a Fulana” ou “Vixe! Não lembro da Édsa Mary... Tu desenterra cada uma!”. De repente percebi que já estava atrasada pro aniversário de outro amigo e não conseguia encerrar aquela conversa. É que por mais que doa lembrar essas coisas e pensar que “tem dias que a gente olha pra si e se pergunta se é mesmo aí que a gente achou que ia ser quando a gente crescer”, também é muito prazeroso. Cheguei a ir embora e voltar pra perguntar se ele lembrava de uma outra Fulana...
Aquela 5ª série. Um dos melhores anos da minha vida, com toda certeza. Tantas angústias. Me achava meio feia, tinha medo de ficar muito baixinha – como de fato fiquei. Havia coisas que me incomodam e pensava que o problema de fato era comigo, não com os estereótipos impostos a uma adolescente. Quantas vezes, já agora, uma “adulta” (será mesmo? Será isso, então, a fase adulta? Sutil e “um tapa na cara” ao mesmo tempo... estranho) pensei que daria muita coisa pra acordar e estar de novo na pele da garota de 11 anos. Nerd, "graduada", nenhum "CAD". Cheia de planos. Depois lembrei que havia dias – muitos! – em que não queria me levantar pra ir à escola, não queria fazer nada. Como a gente idealiza o passado!
Texto dedicado a duas grandes amigas que o tempo afastou – fisicamente -, mas permanecem sempre comigo, parte dessas lembranças, mas ainda algo pr’além dessas memórias. Andressa, lembro da carta que escrevi no teu aniversario de 14 anos – eu dizia que queria envelhecer e freqüentar a tua casa, chegar por lá na hora do café e conversar longamente. Paula, tu também tem um canto en mon coeur, cherrie!
Quando a amizade é grande, continua a crescer mesmo à distância. É mais ou menos assim, Shakespeare? É o que sinto.
Sobrevivi!
Outro dia volto!
Fórum Social Mundial 2009, em Belém do Pará
Mas vamos ao que interessa: amanhã parto para Belém, no Pará, a fim de participar do Fórum Social Mundial 2009. Mesmo pensando o Fórum como uma tentativa bem sucedida de fazer os movimentos baseados na autonomia e ação direta se sentarem para conversar – assim como fazem os capistalistas de Davos; esse povo não entende que temos de mudar nas estruturas, e não apenas nos conteúdos! - e apenas conversar agora, não fazer mais nada, tenho bastante vontade de conhecer o espaço. Sei que ainda há militantes libertários participando do Fórum, daí a ansiedade em chegar logo lá e encontrar a galera, trocar idéias e ver como a gente pode agir nesse ano de 2009, sempre de forma direta, autônoma e anti-capitalista.
Devo chegar por lá às 8 horas de segunda. Vou levar um caderno todo em branco que dedicarei às minhas observações, sensações e contatos novos. Tentarei atualizar o blog de lá, fazendo uma espécie de “cobertura”, mas confesso que acho difícil, pois o evento é composto de um infinito de atividades das quais quero participar.
Bem, é isso! Hasta la volta! E deixo aqui um bom texto – embora de escrita um tanto truncada - sobre o processo de cooptação das lutas autônomas pelo FSM, em parceria com o Estado e o Mercado.
Êta Dortelho que eu não esqueço!
Não acredito que você foi embora! Deve ser porque de fato não foi, né? Deve ser porque está presente em mim da maneira mais profunda: na minha construção como ser humano. Está nas minhas escolhas, nos meus sonhos, nas lembranças que me enchem os olhos de lágrimas...
Saudade dói muito! Há seis meses...
Segue uma música que me lembra esta criatura especial.
Amado
E esse tal alguém não ser seu
Fico desejando nós gastando o mar
Pôr-do-sol, postal, mais ninguém
Peço tanto a Deus
Para lhe esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus
Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volto atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Sinto absoluto o dom de existir,
Não há solidão, nem pena
Nessa doação, milagres do amor
Sinto uma extensão divina
É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Quero dançar com você
Dançar com você
Quero dançar com você
Dançar com você
Manifesto: Fêmeas-Irmãs e Amigas!
- As mulheres serão amigas, fraternas, solidárias e sinceras.
-Exercitarão a cada minuto a capacidade de doar amizade fraterna.
-Decidirão por dizer não às rixas, buscando nas outras a si mesma.
-As mulheres a partir de hoje devem e podem mostrar seus rostos sem temores ao que dirão.
-Liberdade, igualdade, fraternidade, e caso não goste de alguém vire as costas e vá embora, em paz consigo e com as outras.
-Siga em frente sem esquecer tudo de bom que alguém já a fez sentir, e esqueça ou guarde no baú o ruim.
-Toda mulher irá encarar as outras como parte imprescindível de uma irmandade!
-Mesmo à distância, todas estão unidas.
-E distâncias serão transpostas pelas vias expressas da lealdade.
-Nenhuma mulher deitará com dúvidas; ela colocará sua cabeça no travesseiro sempre após ter em si a certeza da verdade nas demais!
-E da sua verdade.
-Não às cisões sexistas cultivadas pelos dogmas de lutas patriarcais.
-Há que se ter dentro da mulher esperança de dias melhores, de seus dias melhores, e de dias melhores para o planeta.
-Não ao medo de se contar, de se mostrar.
-Porque o amor feminino é o que nutre e se nutre não pode destruir.
-Portas abertas à partilha dos medos, das dúvidas, das indecisões que são minhas, tuas, delas...
-Toda mulher é filha de uma deusa e todas as deusas são irmãs.
-Sim às falas simples, aos ouvidos argutos que desejam acalentar, incentivar e promover tua cura, nossa cura.
-Que a acolhida ao ventre Dela seja irrestrita, na igualdade de errar, de retroceder, de mutar e aceitar a si mesmas e às demais.
-Não ao cansaço, a desistência, ao desespero e desesperança.
-Não ao não absoluto, que te impede de voltar atrás e te aproximar.
-Portas e janelas abertas ao que de ti difere, por que te completa.
-Invocamos as deusas da HARMONIA que permitem criar o fértil e acolhida a quem desarmado está.
-Que seja a ordem do dia pensar o melhor para cada um que traspassa nosso caminho, sejam os que forem.
-E se não ficarem, deixe ir em paz, sem rancores.
-Decidido está que toda mulher pode e deve ser cálida, amorosa, sincera, leve, e facilitadora dos encontros.
-Boa ouvinte, conselheira, e que saiba calar sem machucar ou desprezar.
-Que toda mulher seja capaz de gerar energia suficiente para fazer nascer em seus jardins e nos alheios a vontade de somar.
-Fica assim decidido que toda mulher terá livre acesso a este manifesto e dele desde já faz parte!
- Por que todas somos Ela, e todas somos UNA.
- E que assim seja!!!
Autoria: Iony Ming e Luciana Onofre
20 de janeiro de 2009
Palestina Livre Já! Ato na Praça do Ferreira
Contra o racismo, pela união e a paz entre os povos!
Contra a barbárie do capitalismo e dos Estados!
Por uma Terra sem amos!
Cronos come os filhos que fez com Gaia
O que é o tempo? Não consigo parar de pensar nisso. Seria um grande alívio, certamente; viver sem sofrer com tanta antecedência as fatalidades...
Esses dias estive bastante ocupada. Terminei de ler A Montanha Mágica, livro muito bom, intrigante, que trata do tempo de maneira profunda e belíssima. Engraçado, geralmente choro com livros profundos. Mas é que A Montanha Mágica fala de coisas profundas com certa casualidade, naturalidade, apesar do estilo elegante e classudo de Thomas Mann. Tive vontade de chorar apenas duas vezes; mas isso pelo fato ao qual a narrativa se reportava, não por conta da narrativa, que alias foi o que me impediu de chorar e não aceitar aqueles fatos como “fatalidade” – com o perdão da redundância / trocadilho.
Acontece que agora estou lendo O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. E esse é um encontro que estava marcado há anos: desde criança freqüento o sebo do Geraldo com minha mãe. Adorava – como adoro até hoje – me perder no mar de livros. Quantas histórias por ler! Quantas eu nunca chegaria a ler? Quantas a minha imaginação nunca poderia supor? Isso me fascina, essa riqueza da literatura. Pois foi lá no Geraldo que vi pela primeira vez o livro de Sabino. Estava com 12 anos, mais ou menos, e só lia literatura infanto-juvenil. O titulo chamou-me muita atenção e me pareceu que a obra deveria ser gostosa de ler, leve e ao menos tempo profunda, com um quê de amargura e impotência diante das coisas do “destino” – se é que ele existe... mas como é poético pensar em destino! A capa é rosa, melancólica. E a vontade de ler O Encontro Marcado sempre clamava dentro de mim a cada vez que fitava o livro, sempre naquele mesmo armário, no mesmo canto. Incrível! Um dia desses, nem lembrava mais desse livro, estava lá, vendo o que meus parcos recursos me permitiriam adquirir, e o encontrei. Fiquei emocionada. E agora resolvi lê-lo, finalmente, o nosso encontro marcado que estava para algum dia do futuro, sem data alguma.
Não quero escrever tanto aqui sobre o livro em si, até por que nem terminei de lê-lo ainda. O importante é que ás primeiras páginas pensei “É, é bom, mas nem tanto... que pena! Tantos anos de espera!”, mas agora já arrisco dizer que é muito, muito bom, suplanta as minhas expectativas. Fala do tempo também, mas de forma mais pessoal e angustiada (não,não sei se de forma mais angustiada; talvez igual, e não mais) do que A Montanha Mágica. A escrita de Fernando Sabino é crua e um tanto quanto objetiva, mas corta fundo. Fala alto aos meus sentimentos, às minhas inquietações... lembro sempre de uma música – inclusive esses dias citei-a numa conversa – de Renato Russo, é O mundo anda tão complicado, em que ele diz “quero ouvir uma música que fale da minha situação”. E não é assim também com a literatura? Um bom livro fala conosco, comunica sentidos – como ouvi outro dia, e também lembrei hoje, a arte é comunicação de sentidos, em amplo sentido rsrs. A angústia; a sensação de não ter escolhido, mas sim de ter sido escolhido pelo tal “destino”; a inexorabilidade do tempo; o efêmero da existência... Cronos, faz filhos com Gaia e depois os come! Isso é o terror! Isso me arrepia, mas muitas vezes acalma...
Termino o texto por aqui. Tinha muito mais a dizer. Agora sinto de novo como se as palavras “amputassem” os pensamentos meus. Termino o texto sem conclusão – e daí? Não quero concluir nada! Não quero uma vidinha equibilibrada, com tudo bem certinho... Quero me jogar no mundo! Vida é pra gastar!
Outro dia continuo...